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Domingo, 14 de Maio de 2023 às 14:30:00
Dia das Mães: Os desafios da maternidade atípica
Mães de filhos com algum tipo de deficiência, transtorno ou síndrome rara falam do dia a dia da maternidade especial

No mês em que é celebrado o Dia das Mães, uma parcela dessas mulheres vive em situação especial, em razão da lida com crianças que possuem algum tipo de deficiência, transtorno ou síndrome rara. Atualmente, há o Projeto de Lei (PL) de número 2859/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, que, se aprovado, instituirá a Semana Nacional da Maternidade Atípica, a ser celebrado na terceira semana de maio. 

O termo ‘Maternidade Atípica’ é referência à expressão ‘desenvolvimento neuroatípico’. Na neurociência, espera-se que o desenvolvimento neuropsicomotor esteja dentro da condição estabelecida como “normal”. Quando há algum tipo de atraso ou regressão deste ciclo, ocorre o chamado desenvolvimento neuroatípico.

Em Sergipe, o Centro Especializado em Reabilitação José Leonel Ferreira Aquino (CER IV), equipamento da Secretaria de Estado da Saúde (SES), presta atendimentos tanto a este público, quanto às suas mães. O CER IV recebe pacientes de quatro modalidades de reabilitação: física, intelectual/Transtorno do Espectro Autista (TEA), auditiva e visual.
Esse respaldo às mães se faz necessário, porque elas, além das preocupações corriqueiras de qualquer maternidade, redobram os cuidados quando se trata de crianças especiais. Muitas vezes o resultado desse esmero é o isolamento e a frustração dessas mulheres. Os cuidados com crianças autistas, por exemplo, requerem acompanhamento nas atividades do dia a dia, o que exige mais de seus pais e cuidadores.
Com a conversão do PL 2859/2020 em Lei, será obrigatória a instituição de políticas públicas em prol das mulheres que experimentam a maternidade atípica, sobretudo políticas em saúde mental; debates e outros eventos sobre a maternidade atípica e apoio nas atividades organizadas e desenvolvidas pela sociedade civil a favor das mulheres que experimentam a maternidade atípica.

CER IV

Para as mães dos usuários, o Centro Especializado em Reabilitação José Leonel Ferreira Aquino (CER IV) oferece apoio terapêutico, por meio de consultas regulares com psicólogos, abordagens multidisciplinares em encontros mensais, no projeto ‘Sala sem Espera’, e suporte permanente da equipe do serviço social. O CER IV fica localizado na avenida Carlos Rodrigues da Cruz, 1531, bairro Capucho, Aracaju.
Janete Cahet é professora e mãe de Anthony Cahet, de 6 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Ser mãe de autista envolve compreender o universo da criança, suas limitações e buscar ajuda profissional para o seu desenvolvimento. As lutas são diárias e envolvem muita dedicação”.

Segundo ela, a rotina de Anthony envolve terapias com fonoaudiólogo, terapia ocupacional (TO) e psicoterapia. Anthony tem dificuldades em se regular emocionalmente e precisa deste tipo de amparo. “O número de mães atípicas vem aumentando, à medida que os métodos para o diagnóstico melhoram. Tanto eu quanto outras mães que conheço queremos ter a certeza de que nossos filhos crescerão com o suporte necessário para uma melhor qualidade de vida, aprendendo a lidar com as próprias dificuldades, bem como a vida adulta mais autônoma”.

A coordenadora geral do CER IV, Diana Guerra, explicou que a saúde mental dessas mulheres é alvo de grandes desafios e requer cuidados especiais. Para ela, existe uma carga mental alta que, muitas vezes, não é reconhecida ou bem interpretada, o que pode dificultar o tratamento adequado dessas mães. Segundo a diretora, o mais desafiador é lidar com os aspectos externos ao próprio diagnóstico, como por exemplo, a falta de acessibilidade/inclusão, o preconceito, o abandono e a insegurança financeira.
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Dia a dia 

O PL 2859/2020 versa que há uma tendência da sociedade em romantizar a maternidade denominada atípica, transformando essas mães numa espécie de guerreira, que luta incansavelmente por seu filho, mas na realidade essas mulheres precisam de acolhimento e políticas públicas, em razão do desgaste físico e mental do dia a dia, como é o caso da maquiadora Tereza Cristina, mãe de Benjamin Menezes, de 6 anos, diagnosticado com TEA (autismo).

“Cuidar de outra vida é aprender a lidar com as demandas e particularidades de nossos filhos. É um desafio diário de amor, paciência e resiliência. Nós mães de autistas temos que nos doar todos os dias e um dia sempre é diferente do outro. Quando pensamos que já estamos dominando alguma área, aí vem alguma regressão ou uma troca de profissional e tudo isso vai desgastando. Mães atípicas têm uma carga muito grande, porque é muita responsabilidade. O autismo não é uma deficiência, é uma neurodiversidade. Todo dia esta mãe tem que estar pronta para correr atrás das terapias do filho. Pessoas como eu, que não têm plano de saúde, têm que lutar por isso também. Visitamos ONGs, associações, vamos a reuniões, palestras, aprendemos o significado de cada coisa e aprendemos o que significa cada demanda, para sabermos nossos direitos e fazendo tudo isso com muita leveza, porque quando eles veem que a mãe está estressada e sobrecarregada, eles se desorganizam muito! Temos que passar serenidade”, relatou Tereza Cristina.

A professora Joelaine Batista de Araujo é mãe de dois meninos diagnosticados com espectro autista: João Pedro, de 9 anos, e Luís Henrique, de 5 anos. “Ser mãe atípica é ter todos os sentimentos de mãe, só que potencializados. É ter uma rotina de consultas, exames e terapias, lutar diariamente por inclusão e respeito, mas apesar de todos os desafios da maternidade atípica, nada me tira a alegria de ser mãe e de aceitá-los do jeito que são”.

Os compromissos de Joelaine incluem levar os filhos para a escola, terapias, ajudar nas atividades da escola e estímulo em casa com situações corriqueiras. Hoje ela trabalha por meio período para se dedicar em outro aos filhos. “Hoje percebo o mundo de outra forma. Aprendendo a não me frustrar ou me importar com atitudes e olhares preconceituosos. Sigo lutando, mesmo com medo, e vivendo um dia de cada vez”. Os filhos de Joelaine fazem 13 horas semanais de terapia com fonoaudiólogo, psicólogo, terapia ocupacional, fisioterapia, psicopedagogia e musicoterapia.

Ariny Correia também é professora, mora em Aquidabã, no Médio Sertão sergipano, e é mãe de Maria Alice, de 6 anos, diagnosticada com TEA e TDAH. Ela disse que se ocupa bastante das necessidades da filha. “Preciso pensar em absolutamente tudo que Maria precisará durante o dia, organizar rotina, levar para a escola, ao reforço escolar, terapias. Trabalho, estudo, cuido do serviço doméstico, organizo a agenda do trabalho e oriento outras mães atípicas em grupos de Whatsapp. Na verdade é um dia cheio, com pouco tempo para mim”, descreveu. 

A professora falou que conta com as políticas públicas de inclusão do Governo do Estado, com os planos de ação para inclusão de qualidade, nas escolas inclusivas e saúde acessível. “Precisamos de suporte e políticas públicas efetivas. Precisamos de respeito, sermos ouvidas e acolhidas e que nossas crianças tenham profissionais que trabalhem com amor e dedicação”.